quinta-feira, 17 de março de 2011

A luz dos olhos teus...

Incrível, mas todas às vezes que eu estou de óculos e olho no espelho, ou em qualquer coisa que reflita minha imagem, eu vejo no meu olhar o olhar do meu pai.
Uma das imagens que tenho dele, ainda vivo, é a do olhar atrás das lentes grossas dos grandes óculos que ele usava. E cujo modelo, ou para mais grosso ou para mais fino, ele sempre usou pela vida toda em que eu o conheci.
Nos últimos tempos, quase vencido pelo Parkinson e já cansado dessa vida ( a gente vai cansando ) ele olhava triste e distante tudo aquilo que focava. Era um olhar melancólico, mesmo nos momentos alegres.
Era como se ele suplicasse alguma coisa que só ele sabia o que era ou tivesse vontade, ou não tivesse coragem, de dizer: algo que estivesse lá no fundo daquele coração octagenário.
Dependente das pessoas que o cercava, sem vontade nenhuma de expor as mãos trêmulas pelas ruas, sem o equilibrio necessário para subir ou descer qualquer obstáculo, ele ficava sentado por horas a fio. Ora lendo o jornal, ora pensando com o olhar distante.
O que pensava, naquelas horas, o meu pai? Perguntava-me às vezes e até algum tempo depois de sua morte.
Hoje, depois de passar por poucas e boas com a minha saúde. Depois de ser colocado de lado na vida profissional, bem no auge da minha carreira, por uma aposentadoria providencial, porém castradora. Depois de ter de administrar duas adolescências que não me deram um pingo de trabalho, mas me encheram ( e enchem ) de preocupação paternal, depois de ver a morte da minha mãe, o esquecimento dos poucos amigos que tenho e o esvaziamento de algumas ambições...
Hoje, no medo de não dar conta dos meus compromissos, no medo de não conseguir deixar à minha descendência um legado de autonomia profissional e financeira...
Hoje, acuado pelas instabilidades das minhas apnéias e arritimias...
Hoje, assustado com as notícias de semelhantes que padeceram traiçoeiramente vitimas de seus corações até então saudáveis...
Hoje...
Hoje eu sentei no mesmo sofá que meu pai sentou por décadas e levantei, despretensiosamente, a tampa do meu notebook. Imagine que, sem querer, encontrei aquele olhar do meu pai refletido na tela : me fitando, me olhando firme e fundo, querendo me dizer algo inpronunciável.
Alguma coisa que ele não disse e que eu jamais saberei dizer ou terei coragem de verbalizar.
Sabe, gostaria muito de poder voltar no tempo. Só que com o mesmo "recheio" que tenho hoje. Gostaria de assim sentar de frente para ele e, então, trocarmos aquele olhar vago, distante, experiente e revelador.
Descanse em paz, meu pai !

Um comentário:

Du Santana disse...

Cara, ás vezes minha relação com meu pai também tem muito disso, do querer saber o que ele quer ou queria, a diferença é que ele está vivo e que ainda moramos na mesma casa. Só peço a Deus que ainda possamos nos aproximar pelo menos uma vez nessa vida.Talvez meu coração não vá tão longe assim quanto o dele... E já não aguento mais essa ausência estando tão perto.

Vc escreve muito bem. Me identifiqei com esse seu texto. Parabéns!